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Número de mortes por policiais no Ceará cresce 439% em seis anos

Entre 2013 e 2018, quantidade saltou de 41 para 221, apontam dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Por Cadu Freitas

30/05/2019 às 12h09

Imagem ilustrativa da internet

O número de mortes provocadas por agentes da segurança pública no Ceará cresceu 439% entre 2013 e 2018, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). No início da série histórica, foram contabilizados 41 assassinatos por agentes do estado; já no ano passado, o total foi de 221. O crescimento percentual estadual, em números gerais, é maior do que o ocorrido no Brasil, que teve aumento de 178,4%.

Os dados da Secretaria da Segurança Pública detalham todos os homicídios realizados por policiais desde que os casos começaram a ser contabilizados oficialmente pela gestão estadual, há seis anos.

A secretaria informou, em nota, que o aumento de mortes por policiais ocorre em razão de maior “resistência por parte de criminosos”.

De acordo com o presidente da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Dermeval Farias Gomes Filho, é difícil afirmar que o acréscimo de mortes por intervenção policial no Ceará é percentualmente maior do que a nível nacional. “Numericamente, ele parece um aumento grande, uma diferença bem grande do ponto de vista nacional, mas será que a alimentação tem sido feita diferente de outros estados?”, questiona.

Conforme o sociólogo Luiz Fábio Paiva, integrante do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC), há uma tendência de recrudescimento das forças policiais. “Hoje, no Brasil, e especialmente no Ceará, há uma confusão em tratar políticas de segurança pública como se elas se limitassem a uma política de intervenção policial”, afirma.

Segundo o pesquisador, a gestão do atual secretário da Segurança, André Costa, oferece incremento na intensificação do poderio armado da polícia; a prova, conforme Fábio Paiva, seria o fortalecimento do Batalhão de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (BPRaio).

“Ele [secretário André Costa] tem muita tranquilidade em dizer: ‘o meu tipo de gestão é do incremento do aparato da força militar’. Isso de fato está acontecendo, só que a consequência é essa: o aumento do número de mortes por intervenção policial.” A crítica se reflete nos números de mortes por policiais durante a gestão André Costa.

‘Justiça ou cemitério’

Desde que assumiu a Secretaria da Segurança, em janeiro de 2017, com a polêmica frase “Justiça ou cemitério” para criminosos no Ceará, mais pessoas têm sido assassinadas por agentes de segurança no estado. Desde o início da gestão, ocorreram 376 mortes por policiais. Uma média de um homicídio a cada dois dias.

Nas gestões dos secretários anteriores, nunca o Ceará teve números tão altos. No período Delci Teixeira (2015 a janeiro de 2017), a média foi de uma pessoa morta pela polícia a cada três dias e meio. Na administração Servilho Paiva (setembro de 2013 a dezembro de 2014), uma pessoa morria pelas mãos de um agente de segurança a cada seis dias e meio. Já na gestão de Francisco Bezerra (entre janeiro e setembro de 2013), o número foi o menor identificado: uma morte a cada 12 dias.

A Secretaria da Segurança informou que “o crescimento desse tipo de ocorrência está relacionado ao aumento da resistência por parte dos criminosos, que reagem às abordagens policiais nas ruas”.

Segundo a pasta, “é importante destacar que o sistema de segurança, atualmente, possui um processo de aquisição em andamento de quase 600 espingardas calibre 12, que carregam projéteis letais e menos letais. O uso desse tipo de armamento permitirá o uso de munições diferentes a depender da análise do policial durante a ocorrência”.

Posicionamento

Para o pesquisador Luiz Fábio Paiva, o discurso de enfrentamento potencializado pelo secretário é considerado como um indutor das polícias.

“O secretário André Costa, quando ele assume a partir da ideia que agora o bandido vai ter duas opções ‘justiça ou cemitério’, é uma fala que, do ponto de vista do seu lugar institucional, é antidemocrática. Bandido não tem que escolher nada. Ele descumpriu a lei e tem que ser efetivamente responsabilizado de acordo com a lei. E a polícia é a instituição que vai fazer este trabalho”, argumenta.

De acordo com o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Ceará (OAB-CE), Paulo Pires, o discurso exterioriza uma ideia de recrudescimento. “Somado a isso, a essa dificuldade de obter respostas mais concretas do estado, não resta dúvida de que essa política, esse tipo de discurso, que não deixa de ser ideológico por parte do chefe da Secretaria, mobiliza a tropa nesse sentido e empodera seus policiais para agir com maior truculência”, considera.

Embora não tenha respondido a questões relativas ao discurso utilizado pelo atual secretário da Segurança, a pasta afirmou, em nota, que “trata todas essas ocorrências com seriedade e transparência, de forma que esses dados são divulgados e disponibilizados mensalmente no sítio institucional”.

Responsabilização administrativa
Embora os números de homicídios cometidos por agentes da Segurança Pública cearense só cresçam, entre igual período (2013 e 2018), apenas 24 profissionais foram demitidos ou expulsos dos quadros do governo. A gerência da atividade da polícia em âmbito interno é da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), chefiado pela juíza aposentada Cândida Maria Torres de Melo Bezerra.

Em nota, o órgão informou que “vem atuando no sentido de apurar administrativamente a conduta do agente de segurança pública, logo ao identificar eventuais irregularidades e práticas ilícitas. Conforme a natureza e a gravidade, adota as providências e punições cabíveis no âmbito administrativo de sua competência e legislação vigente”.

Em caso de infração, no caso dos policiais civis, as sanções disciplinares são repreensão, suspensão, demissão, demissão a bem do serviço público e cassação de aposentadoria ou disponibilidade. Para os militares, as punições são advertência, repreensão, permanência disciplinar, custódia disciplinar, reforma administrativa disciplinar, demissão, expulsão e proibição do uso do uniforme e do porte de arma.

Conforme a CGD, entre 2015 e 2018, foram instaurados 264 procedimentos disciplinares na intenção de investigar casos decorrentes de intervenção policial.

Tragédia em Milagres

Na cidade de Milagres, a 487 Km de Fortaleza, 14 pessoas foram mortas durante uma tentativa de assalto a um banco do município do interior cearense, em 7 de dezembro de 2018. Das 14 vítimas assassinadas, seis eram reféns dos criminosos.

Um laudo elaborado pela Perícia Forense do Estado do Ceará (Pefoce) confirma que os tiros que mataram bandidos e reféns partiram dos policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate). O caso é apurado pela CGD e pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).

Na semana passada, 19 policiais militares viraram réus no processo que apura as mortes em Milagres. Oito deles teriam sido mortos em legítima defesa, dois executados e cinco, dos seis reféns, assassinados por dolo – quando não há intenção de matar, mas o risco é assumido pelo agente.

Fonte: Cadu Freitas - https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/05/30/numero-de-mortes-por-policiais-no-ceara-cresce-439percent-em-seis-anos.ghtml

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